A espiritualidade africana: da ciência à descoberta de Deus

Pérola Paloma
18 min readApr 7, 2020

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Tradução livre, não autorizada, do site Lisapo ya Kama. Todos os direitos reservados. Post original

Amen-Ra, deus único de África, imaginado em sua aparência masculina (à esquerda, no templo de Hatshepsut) e suas aparências feminina e masculina à direita (museu do Louvre)

Só há uma religião na África autêntica. Quais são suas bases? Por que é chamada de animismo? Ao terminar este artigo, você nunca olhará para a África da mesma maneira.

Voltemos a 200 mil anos atrás. O ser humano anatomicamente moderno acaba de vir à vida em África. Ele já é tão inteligente quanto os humanos de hoje em dia. Ele nasce em uma terra onde o clima é ameno e o alimento é abundante. Ele é um ser humano com necessidades rudimentares. A natureza, na qual ele é colocado, o satisfaz materialmente.

Despreocupado, ele/ela acaba se perguntando questões fundamentais em seu berço original dos Grandes Lagos e sul da África: Quem sou eu? Alguém me criou? Se sim, como? Por que fui criado? Este é o início da filosofia.

Para responder estas questões filosóficas, o Africano observa minuciosamente seus arredores. Ele descobre que há uma Energia; que todas as coisas são animadas por esta Energia; que toda vida é vida por causa desta Energia; que esta energia faz o sol brilhar, o vento bater, esquenta a Terra, faz humanos e animais caminharem, faz plantas e minerais vibrarem. Esta energia flui de um corpo a outro, e nunca morre.

Então, o Africano entende que esta energia comanda todas as coisas, que é a origem da vida com a qual se mistura. Esta energia que vive em todas as coisas, é o ancestral de todas as coisas, o primeiro Ancestral. Já que, segundo o ponto de vista dele/dela, esta energia deu à luz todas as criaturas como ele/ela pensa, então esta energia tem aspectos femininos e masculinos, pois apenas um casal assim pode gerar vida. Mas como esta Energia, a quem ele/ela deve a vida, veio à vida?

Nun, a água elementar

Os Kamit (Pretos) ainda percebem e entendem que da água nasce a vida. Água é o ponto de partida da vida, contém vida em estado microscópico. Poças d’água permitem o desenvolvimento da vida, o sêmen do homem é um líquido contendo os germes da vida. A criança concebida, como o animal mamífero, cresce e sai do líquido amniótico da mãe, contido em uma cavidade. O pássaro nasce do líquido contido em um ovo, etc.

Então, o Africano concluiu que no começo de tudo havia líquido: Nun no Egito antigo, Uthlanga entre os Zulu, Tano entre os Akan de Gana/Costa do Marfim, Nommo entre os Dogon do Mali.

Os Dogon do Mali, um povo conhecido por seu conhecimento avançado de astronomia, ainda consideram Nommo, a água elementar, como a fonte sagrada.

Nun sempre esteve ali, ninguém criou, e Nun possuía em em si todas as potencialidades da vida, todos os germes da vida, em um estado desordenado e adormecido. Estas potencialidades são o que os físicos chamam de partículas.

Atum, presente em Nun

Atum, a partícula da qual a Criação nasceu, acabou sendo consciente de si. Atum foi primeiro escondida na Nun (Imana/Amen em mdu ntr). A consciência de Atum, seu despertar, representa o ato fundador da Criação. Como uma partícula da qual a criação emerge, ela/ele é simbolizado por um ovo que os Fang da África Central chamam de Aki Ngoss, os Keméticos chamavam de Suhet, os Fulani de Botcchio’ndé, e que inspirou o nome do famoso rei Behanzin da Benin atual, um homem do Voodoo.

Após estudar o estado de Nun, tendo amadurecido com a aquisição de Sia (conhecimento), Atum concebe em seu coração o plano da criação. E quando o plano foi completo, ele/ela decidiu sair de Nun. A extração da partícula criativa de Nun que viria a gerar o mundo.

Atum, tendo engendrado a criação por vontade, reflexão e decisão, tem, portanto, uma alma (Ba) em seu coração (Ib). Para determinar os métodos e movimentos relacionados à saída de Nun, o Kamit ainda observa, estuda o céu (astronomia), e percebe que a forma geométrica da espiral é onipresente ao seu redor.

Os quatro elementos necessários à vida: água, terra, fogo/luz e ar, movem-se em espiral quando expressam seu poder máximo.

Energia, em sua expressão máxima, está em forma espiral, como um furacão ou ondas. A galáxia é organizada em forma espiral, o campo magnético do sol é em formato espiral, o movimento da Terra ao redor do Sol desenha uma esfera, o feto na barriga da mãe está em posição espiral, as impressões digitais são espirais, e até mesmo o DNA (será que eles já sabiam?) é uma espiral. DNA é encontrado em minerais, plantas, animais e seres humanos.

Então, para o Africano, a espiral é a forma máxima de expressão da Energia, e a forma que estabiliza toda a criação. A espiral é a impressão do Criador na criação. O movimento inicial da Criação era, portanto, uma espiral.

Do infinitamente pequeno (DNA) ao infinitamente grande (galáxia), está a criação, que é marcada pelo símbolo espiral

Atum, então, saiu de Nun formando uma espiral. Atum, a partícula consciente, após conceber o plano da criação em seu coração, fez energia emergir de si para sair de Nun. E como uma partícula agindo de acordo com sua Energia, ele/ela é chamada de Râ/Ré em mdu ntr, Sé na língua bambara do Mali, Tei em douala, de Camarões, Ngo pelos baKongo.

Ra, a energia criadora produzida por Atum

Ra, a força vinda de Atum, desenhou esta espiral que organizaria e colocaria em ordem as partículas contidas na Nun para criar matéria, ou seja, todas as coisas que nos rodeiam. Todos os elementos da criação, estrelas, minerais, plantas, animais, seres humanos, são matéria, e resultado da organização de partículas. E é a energia espiral que ordena e organiza estas partículas. Energia espalhada em Nun pela produção de vibrações que fazem um barulho alto, por isso temos Hu (a palavra da criação), ou Me Kobegue, como chamam os Fang da África Central.

Ra cria e transforma matéria através da espiral

A espiral. Preste atenção em todos os elementos que a formam. 0 é Nun, o nada; 1 é Ra no centro. Fonte: La Religion Africaine, de la cosmologie quantique à la symbolique de Dieu, Mbog Bassong

Debnen em Kemet, Yereyeti entre os Bambara, o furacão dos Venda da África do Sul, a espiral é a forma geométrica da Criação. O acadêmico camaronês Eugène Wonyu diz: “Todos os mitos Africanos sobre a origem da humanidade começam ou de um ovo, uma espiral ou um nada que experimenta vibrações por causa das energias cósmicas.”

Estudando os espirais presentes à sua volta, o Kamit, por meio de cálculos matemáticos, percebe que há um número perfeito de proporções da matéria, este número é 1,6. Este é o que os ocidentais chamam hoje de proporção áurea, o número que representa a lei do Universo. E é deste número de ouro que os Keméticos desenham sua espiral.

É Ra, produzido por Atum, que organizou as partículas de Nun para produzir matéria e antimatéria. A matéria é fértil e contínua, da qual vem a Criação. A antimatéria é estéril e anula a criação se opondo à matéria. A linha onde os números ímpares (1, 3, 5, 7 e 9) estão é a matéria. A linha onde os números pares (2, 4, 6 e 8) estão é a antimatéria.

Essas duas linhas retas vem de Ra no centro, elas são perpendiculares, opostas uma a outra. Foi, então, Ra, a energia criativa, que gerou o bem (matéria) e o mal (antimatéria). E o fato de que estas linhas estão em oposição significa que já houve uma batalha entre a matéria e a antimatéria. Este combate criou uma enorme explosão chamada de tepes seb em mdu ntr, e big bang pelos ocidentais. E, finalmente, foi a matéria, a maior linha, que dominou.

Arquitetura Ashanti, na Gana atual. Foto de um prédio fotografado no fim da guerra contra os invasores ingleses. Podemos ver as espirais nas paredes
A espiral na arquitetura Hausa, Nigéria/Níger
Planta de uma casa Kotoko, de Camarões. Da entrada ao quarto dos pais, há um curso em espiral. O quarto dos pais é análogo à Ra, porque representa o lugar da criação. Fonte: Présentation de Mbog Basong, Ubuntu Mboa 6250

Apenas a matéria, não neutralizada pela antimatéria, gerou todos os elementos da criação. Foi pelo excesso de matéria que a Criação foi liberada. A matéria fértil é, portanto, Osíris, o bom, Usiré [Ausar] em mdu ntr, Osoro entre o povo Akan, Awzaar entre os Somali, Ngai Narok entre os Maasai, Neddo entre os Fulani, Ryangombe em Ruanda. E a antimatéria proibida Suté (Seth) é o mal estéril, Ngai Nanyoke entre os Maasai. É Suté que se torna Satã nas religiões brancas. Então, houve uma batalha entre Usiré e Suté, ambos filhos de Ra, no princípio. E é graças a Ma’at que a matéria triunfou e a Criação pôde surgir.

Ma’at, filha de Ra, condição da criação

Ma’at, filha de Ra, com sua pena na cabeça. Para viajar à eternidade?
A pena de Ma’at pela África

Graças a Ma’at, filha de Ra, que é o longo braço da espiral, a matéria venceu, e produziu uma linha reta maior do que a da antimatéria. Graças a Ma’at, Usiré, através de seu filho Horus — Horo [Heru] em mdu ntr, Huur entre os Somali — dominou. Como Usiré obedecia os comandos de Ma’at — ou Mbok para os Wolof de Senegal, Fokon’olo em Madagascar — ele conseguiu voltar à vida depois da batalha contra seu irmão Suté. Morto por Suté, Usiré experimentou a morte na cruz da espiral, e depois a ressurreição graças a Ma’at. E, através de seu filho Horo, que finalmente derrotou Suté, a soberania da matéria dominou e a Criação aconteceu.

À esquerda: Usiré/ Ausar/ Osoro/ Awzaar/ Ngai Narok/ Neddo/ Ryangombe; à direita: Suté/ Ngai Nanyoke

Horo, filho de Usiré, uma criança divina que nasceu para salvar a Criação, representa a continuidade da matéria. Ele representa a eternidade da Criação, que continua apenas se ele obedecer aos comandos de Ma’at assim como seu pai. Todas as crianças recém-concebidas, por exemplo, representam a contínua Criação, um ajuntamento de partículas sob a ação de Ra. A matéria criada por Ra com as partículas de Nun deve ser transformada continuamente, precisa evoluir, por um princípio de Ra chamado Kheper em mdu ntr.

Kheper, a transformação da matéria criada por Ra

Kheper é, portanto, a lei da transformação e da evolução da matéria. Assim, no processo de evolução, apareceram minerais, plantas, animais e depois os humanos. Esse é o modo como o humano, uma matéria reunida por Ra das partículas de Nun, foi primeiro um primata próximo ao macaco, antes de passar por muitos estágios até se tornar o homem do presente, graças à transformação e evolução. Em uma palavra, graças a Kheper.

Ra, a energia primordial, é, portanto, o/a mestre da Eternidade, através de Horus e Kheper. Ra, a Energia, a Força que criou tudo, dá vida a tudo, vive em tudo e nunca dorme. Ra trabalha todo o tempo. Ra precisa continuar — com sua espiral — a Criação, via os elementos fragmentados de Nun que contêm os germes da vida (sêmen, pólen, cavidade, poça d’água etc); e a transformação da matéria criada. Então, cada elemento da criação é em parte Energia (Ka).

9, a figura da Eternidade

Em todos os ritos de iniciação tradicionais pela África, o número 9 é sagrado, porque simboliza Horo, a Criação vitoriosa de Ra e Kheper, a transformação contínua da matéria criada por Ra. 9 é o número eterno. Independente do número pelo qual você multiplica 9, você sempre acaba com o número eterno 9. Este é o único número que dá este resultado:

9 x 2 = 18, que dá 1 + 8 = 9

9 x 3 = 27 => 2+7 = 9

9 x 7 = 63 => 6 + 3 = 9

9 x 14 = 126 => 1 + 2 + 6 = 9

9 x 1043 = 9387 => 9 + 3 + 8 + 7 = 27 => 2 + 7 = 9

A cruz Ankh, símbolo do pensamento kemético, deriva da Espiral

A cruz Ankh ou cruz da vida é o símbolo supremo do pensamento Africano. A cabeça representa Ra, a Energia Espiral. Os braços horizontais são Suté, a antimatéria estéril e princípio do mal. A linha vertical é Usiré/Horo, material fértil e princípio do bem. Usiré/Horo é mais longo que Suté.

Ankh com sua cabeça (Ra), seus braços (o mal), e sua parte vertical (o bem). No meio: Faraó Kheperkaré Sen Useret (Sesostris I), com cruzes Ankh em suas mãos. À direita: A boneca Ashanti, que assegura fertilidade, é na verdade uma Ankh ligeiramente modificada. É possível fazer a analogia com o ser humano que, como a Ankh, é animado pelas forças opostas do mal e do bem. O ser humano precisa sempre fazer o bem triunfar em seu coração, praticando a Ma’at. Ele precisa se manter S.Ankh.ka.Ra, ou seja, aquele que dá a vida ao ka (energia) de Ra. S.Ankh.ka.Ra está na origem dos nomes Sankhara/ Sankharé/ Sangharé na África Ocidental.

Em resumo

No princípio, havia Nun, a água primordial, onde Imana, a partícula escondida, acordou com seu nome Atum. Atum, simbolizada por um ovo, concebeu a Criação em seu coração. Ela/ele decidiu, através de sua alma (Ba), sair de Nun para criar sua Energia Ra. Ra, com o número de ouro 1.6, desenhou um movimento espiral e propagou Nun emitindo uma vibração sonora (a palavra da criação).

Graças a seu movimento espiral, Ra produziu matéria e antimatéria, opostamente. A matéria (Usiré/Horo) derrotou a antimatéria (Suté) graças a Ma’at. Horo representa a eternidade da Criação e Kheper é a transformação da matéria criada. Ambos dependem de Ma’at e são simbolizados pelo número 9. Cada elemento da criação é em parte (Ka) Energia (Ra).

Ra, a energia criativa científica venerada pelos Kamits (pretos) é, portanto, Deus. Deus é aquela Energia a quem o Africano recorre por meio de um ancestral falecido. Deus é Imana-Ra / Amen-Ra como uma partícula escondida que se tornou Energia. Deus é Atum-Ra como uma partícula consciente que se tornou Energia. Os Bamikele de Camarões dizem, assim, que Si (Deus) é a Energia Consciente.

Deus nunca se revelou aos Africanos, Ela/Ele permanece Imana (escondida, invisível). É esta Energia que dá vida e anima tudo o que o Kamit deifica, daí vem o termo animismo que os ocidentais usam para designar a Religião Africana. Como este termo se tornou derrogatório, preferimos Vitalismo, que reflete melhor a força vital.

O Africano descobriu Deus e foi convencido de sua existência através do aprendizado das ciências. Foi Deus quem deu aos humanos a inteligência necessária para descobrir Sua Grandiosidade. Ra inscreveu na natureza todos os elementos necessários para que voltemos a ele/ela.

Ra é, portanto, única (a energia inicial e fundamental) e múltipla (a energia distribuída em cada elemento da criação). É por isso que Akhenaten disse a Deus: “Você não para de extrair milhões de formas de si mesma, enquanto se mantém Uma”. É por isso que os Fang da África Central dizem “E, então, Deus se multiplicou como cogumelos”. É por isso que os baKongo dizem que Deus experiencia a singularidade na multiplicidade. É por isso que está escrito no monólito do Faraó Sudanês Shabaka “Deus está em tudo que é vivo”.

O famoso Faraó Tuanga Imana (Tutâncamon) com uma Cobra em sua coroa. A Cobra é um animal que se faz espiral. À direita, um rei Iorubá da Nigéria com uma cobra enrolada em sua coroa.
Penteado totêmico do povo Oromo da Etiópia, na forma de uma cabeça de cobra

Através da matemática, astronomia, física (…), o Kamit respondeu sua questão original. Ele sabe que está na Terra para preservar e dar continuidade à vida (Ankh), respeitando Ma’at como Ra mandou. Ma’at é sua filosofia. O sociólogo suíço Jean Ziegler disse: “A cosmogonia Africana diz que nada vence a proteção, permanência e expansão da vida”. Enquanto os europeus e semitas estão na Terra para acumular riqueza material, nós Africanos estamos na Terra para perpetuar a vida.

E vieram os escritos religiosos…

Sacerdotes pretos escreveram os primeiros textos sagrados da história. Esses textos, que para eles eram as palavras que Deus teria dito, são muito melhor entendidos depois de ler os escritos acima. Um exemplo em mdu ntr: Pelas canetas dos sacerdotes keméticos, foi assim que Atum-Ra relatou a Criação:

Djed medu Neb r Djer, djed ef | assim falou o Mestre do Universo:

Isu iri i sep paut ntjeru pautiu | E eu fiz a primeira era assim como os primeiros deuses

Irry i meruty nebet m ta pen | Eu fiz tudo o que queria fazer nesse mundo

Usekh n im ef | Eu me expandi nele

Tjes n i djeret i | Eu enrolei minha própria mão (Ma’at, a grande curva da espiral)

Wai kui | Só

Nen mesu sen | antes de eles nascerem (os outros deuses)

Ini n i r i djes i | Eu usei minha boca (vibração sonora)

Nen kheper kheperu nebet m ta pen | Nenhum modo de existência começou a existir nesse mundo

Irry n irr nebet wai kui | Eu fiz tudo o que fiz enquanto estava só

Nen kheper ky | Antes de qualquer um (além de mim) surgir

Iriu n ef hena i m bu pui | Para agir comigo nesses lugares

Iri i kheperu im m ba pui | Eu fiz os modos de existência a partir dessa força (que existe em mim)

Tjes n im m Nun | Eu criei dentro da Nun

M neni | Ainda adormecida

Nen gemi n i bu aha n i im | E sem ter encontrado lugar para ficar

Ahat n i ib i | Então meu coração se tornou ativo

Sentet n i m her i | O plano de criação veio a mim

Iri n l irry nebet wai kui | E eu fiz tudo o que queria fazer só

Sentet n i m ib i | Eu criei projetos em meu Coração

Kema n i ky kheperu | Eu criei uma nova forma de existência

Asha kheperu nu Khepri | E os modos de existir derivados da Existência eram múltiplos

Imana-Ra, forma masculina

Outros textos edificantes:

Djed in Râ n Nun | então Ra disse a Nun

Ntjer semsu kheper n i im ef | Ó, deusa anciã de onde eu vim

Djeded in Hem n Nun | Então sua majestade Nun disse

Sa i Ra | Meu filho Ra

Ntjer aâ r iri su | Deus maior do que a que o fez (Nun)

Mesu m Nun | Quando eu nasci em Nun

N sep kheperet pet | Antes do céu existir

N sep kheperet ta | Antes da terra existir

N sep kheperet henenu | Antes do tormento (espiral?) existir

N mesut ntjeru | Enquanto os deuses (que vieram de mim: Osiris, Horus, Ma’at etc.) ainda não eram nascidos

Râ nu | Este é Ra

Ink Ntjer aa, kheper djes ef | Eu sou o grande Deus, nascido/a de si mesmo/mesma

Kema renu hau ef | Ele (Ra) nomeou as partes de seu corpo

Kheper my nen ntjeru imyu semsut | E então nasceram esses deuses que o seguem

Ir sef Usiré | Ontem é Osiris (já morto)

Ir duau Râ nu | e amanhã é Ra (através de sua eternidade)

Khetem tu heftiu nu Neb r Djer | Os inimigos do Mestre do Universo foram aniquilados

Im ef hena nu sa ef Horo | E ali ele reina com seu filho Horus

Ink Ptah | Eu sou o Criador

Ink Wa | Eu sou o Único

Ink Nehehe | Eu sou o Eterno

Ink Ntjer aa | Eu sou o grande Deus

Neb r Djer | o Mestre do Universo

Neb Nehehe | o Mestre da Eternidade

Ntjer Nefer | o bom Deus

Podemos perceber que o lirismo Africano é baseado em uma realidade científica. Esses textos podem ser defendidos em relação a suas bases científicas e filosóficas. Não é uma questão de palavras dogmáticas e intocáveis, como nas chamadas religiões reveladas, que impedem a análise crítica. E se um elemento científico ou especulação filosófica questiona alguma parte, ela pode ser modificada. O cérebro, a mente crítica, a racionalidade deve sempre funcionar nos Kamit.

O nascimento das tais religiões reveladas

Quando os brancos se mudaram dos campos gelados da Europa e Ásia e entraram em contato com os Pretos do Oriente Próximo (Pretos de Canaã), na Arábia (Pretos de Sabá), e no Egito, eles descobrem a existência de Deus, já que os Africanos foram os primeiros a teorizar e praticá-la. Mas os leucodérmicos têm acesso limitado a segredos científicos e veem apenas os mitos que os Africanos mostram. Com um desejo de criar sua religião sem entender os fundamentos de Deus, ele usará o mito da revelação para justificar a existência de Deus.

Sem nenhum argumento para explicar direito o que escreveu — aqui, a maioria copiado — em seu livro, o branco pede a seus seguidores para que acreditem, tenham fé e entendam. Vindo de um berço onde a mulher é vista como inferior e a natureza como algo hostil, ele remove a parte feminina de Deus e tira Deus das criações dele/dela. Foi assim que as chamadas religiões de fé, onde se é preciso acreditar, nasceram: Judaísmo, Cristianismo e Islã.

Escrita, leis, poder, artes, arquitetura…

Como a criação foi feita através da palavra, tudo que existe representa a palavra de Deus. Então o Africano inventa a primeira forma de escrita a partir de códigos que são elementos da natureza, e chama essa escrita de Medu Ntjer (mdu ntr, Palavras de Deus); é o que os ocidentais chamam de hieroglifos. É por isso que essa escrita inclui pássaros, plantas, humanos, o sol, etc.

Como todo elemento da criação nasce da propagação sonora de Ra na Nun, todo elemento representa a palavra de Deus. É essa escritura, a primeira da humanidade nascida entre o Sudão e o Egito há 5400 anos, que está na origem do grego, arábico, latim, cirílico, hebreu, persa etc.

O ser humano foi dotado com a habilidade de falar como Deus, então ele/ela é o centro da Criação, o guardião do Universo. Os Kamit deduzem quais são os comandos de Ma’at e inventam as leis da justiça. O espírito humanista e harmonioso de Ma’at fez com que fosse criada uma sociedade com equidade e complementariedade entre homem e mulher, ausência de uma economia baseada em escravidão, ausência total ou quase total de fome e falta de moradia, solidariedade reforçada, ausência de genocídio, menos guerras e derramamento de sangue, reis e rainhas amados trabalhando pelo bem de seu povo…

O rei é a reincarnação de Horus, ele é o maior advogado da manutenção da vida e, sendo assim, ele precisa fazer Ma’at reinar a qualquer custo, incluindo a força. Ele luta perpetuamente para fazer Horus e Kheper triunfarem. Ele é Neb Maat (mestre de Ma’at) ou Mogho Naba entre os Mosi de Burkina Faso.

O carneiro, animal totêmico de Deus na civilização faraônica, em parte por causa de seus chifres em espiral. Assim como Horus é o filho de Deus, ele é o Cordeiro de Deus que veio tirar o pecado (Suté) do mundo. Todo rei na África é a réplica de Horus.

Como Ma’at reflete a ordem e harmonia da Criação, os Kamit precisam ser o reflexo de Ma’at mesmo na arte. Assim, sua música e dança é bonita, harmoniosa e coordenada. E até hoje eles continuam sendo os melhores dançarinos e cantores do planeta, mesmo que não saibam mais o motivo disso. Assim como os fundamentos matemáticos da Criação devem ser refletidos na Terra, o número dourado e o Pi, também descobertos em sua investigação matemática, se refletem em sua arquitetura.

Foi assim que os Kamit criaram a Grande Pirâmide de Gizé, o maior monumento em sua história e na do mundo antigo. 2.900.000 blocos de concreto pesando até 70 toneladas cada — o suficiente para criar 30 Empire State Buildings — , montados em 147 metros, de tamanhos diferentes, com uma precisão na alvenaria medida em décimos de milímetros. Túneis com inclinações absolutamente perfeitas, que chocaram e chocam os melhores arquitetos do mundo até hoje, foram criados do lado de dentro.

O número dourado e o Pi são onipresentes na arquitetura da Grande Pirâmide. A Grande Pirâmide de Gizé representa a apoteose histórica da matemática simbólica. O Africano dita o clima e civiliza a Terra inteira com seu Deus, descoberto através de sua ciência.

As complexidades das pirâmides de Gizé reproduzem a constelação de Leão na Terra, ainda conhecida como Usiré ou Orion para os ocidentais. É por isso que vemos Mai (o leão), representado pela grande Esfinge. Esses são monumentos astronômicos, construídos com materiais matemáticos sofisticados. Toda essa ciência foi descoberta pelos Africanos em sua busca filosófica pelas origens do mundo. A matemática, a física, a astronomia (…) são ferramentas inventadas pelos Africanos no sul africano e nos Grandes Lagos, para desvendar os mistérios do mundo e entender suas origens. É porque fomos os primeiros humanos e fizemos esse trabalho de pesquisa primeiro, que civilizamos o mundo. À direita, vemos a estátua do Faraó Khufu (Quéops), que acredita-se ter sido o construtor da Grande Pirâmide. A estátua está presente no Egyptian Museum, em Cairo.

Nomes de Deus em alguns lugares de África

Bambara & Dogon, do Mali; Jukun, da Nigéria: Amma/ Ama

Líbia antiga: Amun

Sudão antigo: Amani

baNyarwanda, de Ruanda, e baRundi, do Burundi: Imana

Egito antigo: Imana/ Amon/ Amen

Akan, de Gana e Costa do Marfim: Nyamien/ Nyame

Douala & Basa, de Camarões; Barotse & Lozi, da Zâmbia: Nyambe

Konjo, de Congo-Uganda: Nyamahanga

Fang, do Gabão: Nzame

kiKongo, de Congo-Angola: Nzambi

Baya, da República Central Africana: Zambi

Sangama, da Etiópia: Zabi

Herero, da Namíbia: Njambi

Pare, da Tanzânia: Kyumbi

Conclusão

Percebemos que o conceito de Deus para os Pretos é científico e perfeitamente racional. É baseado nas ciências exatas e em especulação filosófica. A espiritualidade nascida há millhares de anos atrás na Terra Sagrada (os Grandes Lagos e o sul africano), e que foi trazida a seu pico no Egito, é comum ao continente inteiro. Nós sinceramente acreditamos que a concepção Africana de Deus é a melhor, pois ela é baseada em uma questão científica, que procura estritamente a verdade e é aberta a questionamentos.

Se rejeitamos essa “religião” hoje, é porque não a conhecemos porque os colonizadores europeus e árabes a caluniaram e enterraram com o propósito de explorar a África. Podemos apenas nos sentir incrivelmente honrados de termos nascido Africanos e de termos o sangue de nossos grandes ancestrais fluindo em nossas veias.

Mas, para além da questão espiritual, vemos outros benefícios para a África. A espiritualidade Africana dá base para uma educação completamente revisada, um sistema social repaginado, um sistema econômico redesenhado, um melhor status para as mulheres, uma re-fundação de nossos Estados, uma arquitetura redesenhada, a fundação de conservatórios de música, escolas de filosofia etc.

Nas escolas, conseguimos imaginar palestras sobre o estudo físico de Atum, o estudo matemático da espiral ou da grande pirâmide, ou reflexões sobre Ma’at. Que tópicos interessantes! Ao colocar a criança Africana como continuidade da genialidade de seus ancestrais, as taxas de fracasso escolar poderiam cair consideravelmente e nós poderíamos ter tantos gênios quanto tínhamos há 2500 anos. Esta ciência é o caminho para o renascimento científico do mundo preto, através do renascimento de Kama (África).

Nós agradecemos de coração a nossos ancestrais por terem nos deixado uma herança dessas e temos o dever de tentar orgulhá-los.

9 civilizações vitais construídas pelos Pretos a partir da ciência Kamit: Cartagena, na Tunísia; Zimbábue; Daomé, atualmente Benin; Ashanti, atual Gana; Egito; Maia; Barua (Meroel), Sudão; Benin, em Benin e Nigéria; Vale do Indo, na Índia-Paquistão
Pelo futuro…

Hotep!

Lisapo ya Kama, todos os direitos reservados.

Fontes:

La Religion Africaine, de la cosmologie quantique à la symbolique de Dieu, Mbog Bassong

La philosophie africaine de l’époque pharaonique, Théophile Obenga

Qu’est-ce qu’être kamit?, Nioussérê Kalala (Jean Philippe) Omotunde

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